28 de fev. de 2008

Mascaro, um "senhor promissor"

Thais Bilenky - especial para Terra Magazine

O fotógrafo Cristiano Mascaro abre nesta quinta-feira, 28, sua exposição individual no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. A mostra "Todos os Olhares" apresenta um panorama com 50 imagens do artista, feitas desde os anos 80 até hoje - mais precisamente, até um mês atrás, quando concluiu uma série de fotos em São Paulo, especial para a exposição.
Mascaro, aos 63 anos, evitou a todo custo que a mostra fosse alguma espécie de retrospectiva:
- Eu não sou um jovem, mas um senhor promissor. Quero continuar fotografando.
Mesmo com a contínua predisposição, o fotógrafo já tem seu trabalho reconhecido dentro e fora do Brasil. No ano passado, ganhou o maior prêmio do Projeto Porto Seguro com "Cidades reveladas", individual que foi ao Rio de Janeiro, Belém do Pará e Lisboa. Também em 2007, participou das coletivas "Mirame: uma ventana a la fotografia brasileña", em Cuba, e "Olhares cruzados: Cristiano Mascaro vê Berlim, Sibylle Bergemann vê São Paulo", na Alemanha.
Mascaro é graduado em Arquitetura pela USP e sua obra mantém vínculos estreitos com sua formação:
- Quando me pedem um trabalho de publicidade, eu ofereço aquilo que eu sei fazer, que eles conhecem, que é foto de cidade.
Interessado nas pessoas, em como vivem, Mascaro sai pelas ruas à espera de "espanto, tremores, um certo sobrenatural". Então, não se intimida, entra nas casas, faz retratos "de pessoas anônimas, de pessoas que surgem na sua frente e são maravilhosas porque estão naturalmente onde elas vivem".

Leia a seguir a entrevista do fotógrafo a Terra Magazine:
Terra Magazine - Sua fotografia em geral aborda a arquitetura das cidades e já faz tempo que você segue esta linha. Em que esta nova exposição inova seu trabalho?
Cristiano Mascaro - Tenho um trabalho voltado nao à arquitetura pura, mas à cidade como cenário. Faço muitos retratos de pessoas, no interior de suas casas. Não são pousadas, é um interesse antropológico, de usos e costumes.
Não gosto muito dessa matemática, mas a mostra tem 80% de cenas urbanas, 10% de interiores de casas e 10% de retratos.
Fotografo muito arquitetura como encomenda de trabalho. Porque todo fotógrafo, com raríssimas exceções, tem uma vida dupla. Uma vida profissional, com a qual ganha dinheiro... -Não muito! Ele toca a vida...!- E o trabalho pessoal, autoral. Eu não sou um fotógrafo versátil. Um fotógrafo profissional, de publicidade tem de saber fazer de tudo um pouco, satisfazer exigências do diretor de arte. Isso eu nunca aprendi fazer, nunca tive competência. Quando me pedem um trabalho de publicidade, eu ofereço aquilo que eu sei fazer, que eles conhecem, que é foto de cidade...

E os retratos?
São retratos de pessoas anônimas, de pessoas que surgem na sua frente e são maravilhosas por alguma razão, especialmente porque elas estão naturalmente onde elas estão, onde elas vivem. Eu não saberia pegar uma pessoa, levar para o estúdio, cercá-la de flashes, essa coisa toda, maquiagem, hairstylist não é comigo, não sei dominar. Trabalho solitário, sozinho, não tenho assistente. Meu negócio é realmente pegar minhas câmeras e sair me arrastando por aí.

E a exposição, então, inova seu trabalho ou dá continuidade?
Dá continuidade. Não queria de forma alguma que a exposição, muito grande -50 fotos- no Instituto Tomie Ohtake , que é de muito prestígio, eu não queria que isso pudesse parecer uma retrospectiva. O que seria de certa forma um ponto final, o fechamento da carreira. Eu não sou um jovem mais, mas sou um senhor promissor, não sou mais um jovem promissor. Quero continuar fotografando. Não gostaria que (a exposição) fosse só um retrospecto. Então fizemos um panorama. Pegamos da década de 80 para cá. E tem uma série de fotos que fiz agora, há um mês.

Como é essa série?
É uma retomada de algo que eu fazia, que é andar pelas ruas de São Paulo. Durante um tempo, eu andei muito pelo Brasil a fora, fazendo livros ligados a patrimônios históricos. Então saí por aí sem rumo, coisa que gosto de fazer porque São Paulo é tão surpreendente que você não precisa falar "Ah! Vou naquele lugar que é sensacional!". Eu simplesmente pego minhas câmeras e ponho os pés na rua. Vou caminhando e você sempre acaba descobrindo algo que brilha nesse cotidiano.

Por exemplo?
Uma foto que gosto muito é a do posto de gasolina (São Paulo, 1999), bem de madrugada. Eu nem sabia daquele posto. Eu ia para Guarapiranga. Na hora que virei a marginal do Rio Pinheiros, dei de cara com esse posto, uma coisa imprevisível. A característica primeira da fotografia, que curto muito, é a predisposição para a surpresa, para o imponderável. E sempre é assim. Lógico que muitas vezes eu planejo e consigo chegar lá, e fotografar aquilo. Mas às vezes aquilo não está exatamente não está como eu imaginava...

Tem algum bairro ou lugar que você prefira fotografar?
Não, eu aprendi que não adianta dizer "vou para tal lugar". Boa parte das fotos que fiz a vida inteira, nessa vida de ir flanando pela cidade, as fotos que depois são aproveitáveis são aquelas que eu não previa. Sempre no meio do caminho, você desvia a rota, algum canto de sereia, uma esquina qualquer que te atrai.
Faz parte dessa aventura que é sair pela rua encontrar espanto, tremores, um certo sobrenatural, que o Nelson Rodrigues fala tanto. É isso que te move. Não sei se foi ele, Nelson Rodrigues, ou o (Carlos Heitor) Cony que falava que antigamente um bom romance era o resultado de uma mulher, um marido e um amante. E agora, mudou de figura. É a mulher, o marido e o psiquiatra. Então dá um pouco a medida da falta de emoção.

A foto exibida acima é em Recife, de 2006. O que está por trás dela?
Essa foto é no rio Capibaripe. Essa foi uma que eu persegui. Eu já tinha estado várias vezes em Recife, mas para fotografar patrimônios históricos. E eu vi esse casaril, que já havia visto em váriasfotos, e você corre risco de cair num clichê, um cartão postal. Mas esse lugar me fascinava. Então, madruguei, acordei bem cedo para ter tempo de ver a luz, o dia clareando, um crescendo. Saí de madrugada e dei de cara com esse rebatimento simétrico desse casaril colonial.

Como enxerga o panorama da fotografia hoje?
O caminho da fotografia hoje tem muitos artistas plásticos, ou fotógrafos que talvez tenham mais vocação para serem artistas plásticos, que estão fazendo foto conceitual. Eles montam uma instalação qualquer e fotografam de qualquer jeito, sem nenhum critério fotográfico, como se fotografia fosse uma escrita ultrapassada e esgotada. Absolutamente, a vida está aí, não pára e não se esgota! É isso que falta. Fotografia não é resultado de um trabalho racional, pensado e refletido. Ela é resultado de um ato intuitivo, senão tira o valor da fotografia.

Há algum fotógrafo atual, brasileiro ou não, que te inspira em especial?
Nessas alturas -falei que sou um senhor promissor, de 63 anos- a gente pára um pouco de acompanhar. Acompanho mais a fotografia brasileira. Fico sabendo desses famosos internacionais, que vem aqui, esse LaChapelle (fotógrafo americano David LaChapelle), não simpatizo muito. Esse Mario Testino (fotógrafo de celebridades, nascido no Peru) é muito chato. Eles acham que chocam, mas é uma fase que passa. Eu não me choco com mais nada e acho que é uma transgressão infantil.

E as cidades, quais te chamam mais atenção em termos fotográficos?
Em qualquer cidadezinha, descendo do carro, no interior do Piauí, como Oureiras, ou Icó no Ceará, fico tomado. Desço do carro e quero ser tomado, ver as pessoas. Fora do Brasil não sinto o mesmo compromisso. Aqui, me sinto no meu meio, que tenho algo a dizer. Em Lisboa, fiz um projeto de um mês que adorei. Em Berlim também. São cidades incríveis à sua maneira. É sempre um desafio. Tóquio, devo voltar agora por conta do centenário, é sensacional. Porque por exemplo, Paris, onde morei por um tempo, é aquela coisa clichê, um "clichezão". Tóquio é aglomeração humana, não tem desenho como Paris, não tem natureza como o Rio de Janeiro. Tem, isso sim, muita gente. E a natureza é divina, mas é tão lenta, não muda nada, um ventinho bate, a plantinha cresce, mas eu não gosto de fotografar.

Quais são os projetos em vista?
As coisas vão aparencendo. Estou indo agora no domingo fazer reportagem, uma coisa que adoro. Vou ao Vale do São Francisco fazer reportagem. Circular primeiro pela área de Petrolina, onde tem muita água. Depois ao Ceará, Paraíba, mostrar a escassez. Quero discutir essa polêmica de contra e favor a transposição. Eu sou a favor. Vou pela Revista Repórteres do Brasil (editora Manifesto), com o jornalista Raimundo Pereira.

Para ver um pouco do trabalho desse fotógrafo, clique aqui.

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