4 de jan. de 2006

ALCA

“Os Estados Unidos pretendem anexar toda a América Latina ao seu espaço econômico e subordiná-la ao seu mando político-militar”

BERTHA MAAKAROUN
O governo norte-americano pretende anexar toda a América Latina a seu espaço econômico e subordiná-la a seu mando político-militar,por meio da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).A Alca é nociva aos interesses do País e já passa da hora de o Brasil suspender as negociações com os Estados Unidos.A opinião é do professor titular aposentado da UNB,Luiz Alberto Vianna de Moniz Bandeira,doutor em Ciência Política,considerado um dos maiores especialistas brasileiros sobre as relações internacionais do Brasil em sua perspectiva histórica.
Para ele,há a hipótese de que os Estados Unidos tenham abandonado a Argentina para,indiretamente,debilitar o Brasil e o Mercosul,pavimentando o caminho da Alca.Apesar das dificuldades conjunturais,o Mercosul não irá morrer,prevê.“Vai sofrer atrasos, pode até ser modificado,mas subsistirá porque há interesses muito grandes,há tratados firmados”,considera.O cientista político defende,desde 1990,que a proposta do Mercosul seja estendida à África do Sul,a porta de entrada para a África negra.
“O Brasil também deve partir para um entendimento de maior profundidade com a Índia, a Rússia e,sobretudo,a China. Na China é que está o futuro ”,acrescenta.
Moniz Bandeira,que vive na Alemanha,tem mais de 20 obras publicadas e prepara-se para o lançamento de um novo livro pela editora Revan:A Tríplice Aliança e o Mercosul.O estudo começa no fim da guerra da Tríplice Aliança,passa pela anexação do território do Acre ao Brasil (com documentos inéditos,obtidos nos arquivos de Rotschild,em Londres), pela corrida armamentista com a Argentina no começo do século XX,pela Guerra do Chaco,a primeira tentativa de criação de um mercado comum Brasil-Argentina,conforme o tratado assinado em 1940,pouco antes do bombardeio de Pearl Harbor.

ESTADO DE MINAS –Em sua avaliação,como se deu a inserção do Brasil no cenário internacional a partir dos anos 90?
MONIZ BANDEIRA –A política exterior de um país não se faz no vazio.Ela é condicionada historicamente por diversos fatores.Não se pode criticar a política exterior do Brasil, nos anos 90, comparando-a com a política exterior dos governos militares, nos anos 70.Naquela época,os Estados Unidos estavam enfraquecidos pela derrota do Vietnã,pelo escândalo do Watergate, havia a ascensão da Alemanha, a existência do bloco soviético e a situação econômica do Brasil era muito melhor, estava sob controle, apesar do endividamento crescente. A inflação era ainda pequena. O quadro no final dos anos 80 e início dos anos 90, porém, não era o mesmo. O cenário internacional radicalmente se modificara com o fim da guerra fria,ficando reduzida a margem da relativa autonomia de que o Brasil dispunha. E não apenas o cenário internacional se modificara, como o quadro doméstico era muito grave no
Brasil, o que dificultava a própria instrumentalização da política exterior para a promoção dos interesses nacionais. Havia a crise da dívida externa, decorrente em larga medida dos empréstimos tomados pelos governos militares, sobretudo durante o governo Médici, e também em função das duas crises do petróleo. E a situação econômica interna, devido à crescente espiral inflacionária, tornara-se insuportável. Não há país que se possa considerar soberano e desenvolver política externa própria se não tem condições de sustentar a sua moeda. Sem estabilidade monetária,também não pode haver justiça social. Conter a inflação e estabilizar a moeda constituíam a tarefa primordial que se colocou no final dos anos 80 e começo dos anos 90. O governo Collor não soube fazê-lo. E FHC tratou de consolidar a estabilização da moeda, com o Plano Real, no governo de Itamar Franco, e deu prosseguimento a essa política, quando assumiu a presidência em 1995. Julgo que,sob esse aspecto, o governo FHC é muito injustiçado. Embora ele tenha cometido erros, e embora se possa apresentar enormes falhas, inclusive o endividamento externo que aumentou, ele conseguiu esse feito que foi importante, sanear as finanças e estabilizar a moeda, projetar uma nova imagem do Brasil, mais respeitada, no exterior.

Considerando as condições objetivas da conjuntura internacional, como o senhor avalia a política externa brasileira empreendida no governo FHC?
MB –Muitos consideram a política externa de FHC,assim como a política econômica, de maneira geral, mero acessório dos interesses hegemônicos dos Estados Unidos no mundo e, em especial, na América Latina. A percepção no exterior, entretanto, é a de que Brasil e China são os dois únicos grandes países que atualmente mais resistem à hegemonia dos Estados Unidos. Atualmente,em Washington, não há ilusões quanto ao afastamento cada vez maior do Brasil. E o principal nervo do conflito é a formação da Alca. O Brasil não pode deixar de manter bom relacionamento com os Estados Unidos, é óbvio. Mas tampouco pode subordinar-se aos seus desígnios e aderir à Alca, mediante a qual os Estados Unidos pretendem anexar toda a América Latina ao seu espaço econômico e subordiná-la ao seu mando político-militar. Entendo que a política externa brasileira tem sido feita de acordo com as possibilidades reais, embora sob certos aspectos a veja de modo muito crítico, devido a certas vacilações, como ocorreu no caso da ofensiva dos Estados Unidos para destituir o embaixador José Bustani da direção da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq). Também entendo que o Brasil já devia ter suspendido as negociações sobre a Alca. A Alca é nociva aos interesses do Brasil. O governo brasileiro sabe disso, mas não quer que o Brasil assuma a responsabilidade de romper as negociações com os Estados Unidos, que não irão cumprir as condições estabelecidas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, condições estas que atendem aos interesses nacionais, não só do Brasil como dos demais países da América do Sul. Os Estados Unidos não são um país confiável.

Por que o senhor considera a Alca nociva para os interesses nacionais?
MB –A Alca é um projeto político. Os Estados Unidos pretendem anexar toda a América Latina ao seu espaço econômico e subordiná-la ao seu mando político-militar. Querem expulsar a Europa da América Latina. E, a fim de impressionar e pressionar o Brasil, difunde-se a opinião de que o México assumiu a liderança na América Latina etc. Que importa? Não se pode comparar o Brasil com México, que aderiu ao Nafta, pois seus interesses econômicos e comerciais são muito diferentes. O México destina mais de 82%de suas exportações aos Estados Unidos. O Brasil, apenas 20%, enquanto destina mais de 25% de suas exportações à União Europa e cerca de 23% à América Latina. O México nada teve a perder com o Nafta, ao passo que o Brasil não se dispõe a permitir a destruição de seu parque industrial, que a implantação da Alca provavelmente acarretará, além de perder mercados e suportar crescentes saldos negativos na sua balança comercial, a fim de que os Estados Unidos possam compensar os déficits com a Ásia. O Brasil é um global trader. E não tem nenhum interesse em voltar à situação de dependência do mercado norte-americano, em que permaneceu mais de um século, por causa de suas exportações de café e outras commodities. Na minha avaliação,por exemplo,com a elevação das tarifas do aço,seria o momento para suspender as negociações e partir para um entendimento de maior profundidade com a Índia,a Rússia e, sobretudo, a China. Na China é que está o futuro. Também defendo (e o faço desde o início dos anos 90) que a proposta do Mercosul deveria ser estendida à África do Sul. A África do Sul é um parceiro tão importante quanto a Argentina ou mais ainda, sob certos aspectos,porque ela é chave na África negra. É o caminho de entrada.

Que perspectivas têm o Mercosul diante da investida norte-americana com a Alca e as dificuldades enfrentadas pela Argentina?
MB- Julgo que o Mercosul não vai morrer. Vai sofrer atrasos, pode até ser modificado, mas subsistirá porque há interesses muito grandes, há tratados firmados. E para o Brasil há um interesse político, estratégico, além de econômico e comercial, pois é uma forma de aumentar o seu poder de barganha para a inserção no cenário internacional. Por outro lado, para a Argentina,o Brasil representa um prolongamento de seu mercado interno. Ela destina ao Brasil cerca de 30% de suas exportações. Não há interesse para a Argentina em acabar com o Mercosul. O perigo maior do Mercosul teria sido a dolarização que Carlos Menem e Domingo Cavallo estavam dispostos a fazer, para transformar a Argentina numa espécie de grande Puerto Rico. Era o projeto deles, porque vivem de ilusão.

O fortalecimento do Mercosul não cria dificuldades para os interesses norte-americanos com a Alca?
MB –Os Estados Unidos não têm interesse de que o Mercosul se fortaleça. Há a hipótese de que os Estados Unidos tenham abandonado a Argentina para indiretamente debilitar o Brasil. Essa hipótese já é levantada por alguns acadêmicos norte-americanos. Mas ao que tudo indica a Trade Power Authority, como agora se denomina a fast track, nem será aprovada mais este ano. E é provável que nunca o seja,devido à oposição que também existe nos Estados Unidos à formação da Alca.

A China é o país cuja economia mais cresce no mundo. E curioso, adotou um modelo de desenvolvimento completamente diferente daquele determinado pelo consenso de Washington e apregoado pelo FMI para o resto do mundo. O que o senhor considera que seria melhor para o Brasil: um estado controlador ou o estado neoliberal, que não atua nem no controle dos fluxos de capital?
MB –A China tem um modelo econômico e político completamente diferente do Brasil. O Brasil está situado na área de influência direta dos Estados Unidos,que patrocinaram o golpe-militar em 1964, a fim de desvirtuar o sentido do seu desenvolvimento nacional. Mediante esses golpes militares na América Latina, nos anos 60 e 70, os Estados Unidos trataram de promover praticamente as mesmas diretrizes neoliberais, aplicadas nos anos 90 pelos governos democráticos. No Brasil, o general Castelo Branco começou a adotar tais medidas. Houve reação do Exército ele, embora condenasse o estatismo por criar atritos com os Estados Unidos, teve de fazer maciços investimentos públicos, a fim de tirar o País da recessão. E só quando o Brasil voltou a desenvolver-se em ritmo acelerado, a partir de 1968-1969, os capitais estrangeiros recomeçaram a afluir para a sua economia. Na China houve uma revolução comunista. Mas no início dos anos 80, o governo chinês compreendeu que não podia seguir o modelo de socialismo adotado pela URSS de Stalin, a partir de 1927-1928, e tratou de implantar o que Lenin instituíra em 1922, com a adoção da NEP (Novaia Ekonomitcheskaia Politika), e que consistia na economia de mercado, como estratégia de desenvolvimento das forças produtivas, necessário ao socialismo, concebendo o capitalismo de estado como o capitalismo privado, permitido pelo estado, e não como a propriedade e a operação das empresas pelo estado. A China optou por esse modelo, começou a abrir sua economia, a atrair capitais estrangeiros.E é um país com potencial econômico imenso, as pessoas trabalham muito e vivem com muito pouco. Com 1,3 bilhão de habitantes, a China representa um imenso mercado e será muito maior do que o norte-americano, pois sua economia cresceu em média 10,7% de 1990 a 1999 e continuou a crescer 8% em 2001. O déficit acumulado dos EUA na balança comercial com a China foi da ordem de US$ 391 bilhões entre 1995 e 2001 (seis meses).

Fonte: Estado de Minas. Segunda-feira, 22 de julho de 2002, pg. 08.
LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA

Juventude Socialista

Site para a juventude, do PDT

Movimento de Justiça e Direitos Humanos

Após a Segunda Guerra Mundial, estabeleceu-se entre as duas maiores potências mundiais, União Soviética e Estados Unidos, o fenômeno chamado “guerra fria”. Cada uma dessas potências comandava, através da economia ou até mesmo da intervenção militar, indireta ou diretamente, os países sob sua influência. Como exemplo de intervenção militar, temos por um lado, a Guerra da Coréia, uma intervenção militar americana; e a Invasão da Hungria, uma intervenção militar soviética. Temos ainda, como exemplos clássicos, o Caso Rosemberg - casal americano acusado de espionagem -, e o fenômeno do MaCarthismo. Também se caracterizam os anos 50 por uma grande corrida espacial e armamentista entre essas duas potências.
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