30 de nov. de 2007

Ser mulher é mais difícil do que ser homem, mesmo se você não nasceu na China ou no Congo

A volta do feminismo - por Vera Gonçalves de Araújo
Há alguns meses, li um romance que me impressionou. A autora é a holandesa Renate Dorrestein (pelo que vi no Google, ainda não foi publicada no Brasil). Falei dele com as amigas mas nunca tive coragem de discutir sobre o livro com um homem. É a história de Heleen, 50 anos, com um marido gentil e solidário. Por culpa dos hormônios da menopausa, ela não tem mais vontade de fazer sexo com ele. E ele, apesar de gentil e solidário etc., nem imagina qual é o problema de Heleen, que luta com filhos adolescentes, com a mãe que teve um derrame e o marido ignaro de suas ansiedades e vergonhas.Heleen, entre todos os problemas provocados principalmente pela mãe maluquinha, procura, sem conseguir e com efeitos cômicos, ter coragem de entrar numa farmácia e comprar um creme contra a secura vaginal, esperando resolver assim o problema da falta de desejo que não consegue confessar ao marido. Essa coisa da secura me impressionou: nunca tinha ouvido falar disso. Acontece de verdade, durante a menopausa? As minhas amigas juraram que não, com piadinhas bestas tipo "se acontecer, é só mudar de marido", mas eu fiquei na dúvida. E a minha cabeleireira Daniela, uma linda senhora de 60 anos cheia de namorados, me confirmou que a secura vaginal existe e que na sua idade é um problema comum. Ser mulher é mais difícil do que ser homem, mesmo se você não nasceu na China ou no Congo. Não é fácil admitir isso, porque a igualdade absoluta é uma idéia muito mais chique, mas as mulheres são fisicamente mais complicadas do que os homens. Dos 12 aos 50 anos, sofrem com as menstruações. Dos 50 em diante, sofrem com a menopausa. Mudanças de humor, tpm, transtornos hormonais, luas uterinas, dores e anemias as acompanham por toda a vida. É assim desde sempre, e nenhum homem pode entender, a não ser um bom ginecologista. Maridos e namorados se assustam, não entendem essa gangorra contínua, não entendem como é cansativo defender um sistema reprodutivo tão misterioso e complexo. O leitor homem pode pensar: quem me defende dos meus problemas? Somos adultos, ninguém defende ninguém. Mas as mulheres, até as mais fortes e emancipadas, têm na barriga uma fragilidade a mais. Lembrei do romance da Renate Dorrestein vendo na TV as imagens da grande passeata contra a violência contra as mulheres, em Roma, no sábado passado. Não pude participar, mas vi e ouvi, com saudade e prazer, as caras e a voz de 150 mil mulheres de todas as gerações caminhando lado a lado, numa manifestação de força e paz. Algumas garotas foram fotografadas fazendo o antigo gesto que simboliza o útero, com as pontas dos polegares e dos indicadores unidas. Um gesto que durante anos foi considerado obsceno e agressivo, mas que vejo com ternura, relembrando as primeiras manifestações feministas. Sempre o considerei uma mensagem de diálogo, não de agressão. Mesmo porque não existe nada de mais íntimo e misterioso (e menos agressivo) do que um útero. Nos anos 70 e 80 falou-se muito do corpo das mulheres, do que há dentro de um corpo feminino. Hoje só se fala do que está do lado de fora, e digo isso sem moralismo. No sábado passado, em Roma, foi bom ver tantas mulheres juntas, embora a mídia tenha noticiado principalmente as vaias e insultos de um pequeno grupo de extremistas contra ministras e deputadas. Depois de vinte anos de silêncio, as bruxas estão de novo soltas.
Fale com Vera G. de Araújo: veragdearaujo@terra.com.br

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